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Inundações em Santa Catarina

  • Foto do escritor: Rhama Analysis
    Rhama Analysis
  • 29 de nov. de 2008
  • 4 min de leitura

Todo o Brasil viu nos últimos dias o impacto que as inundações produziram em Santa Catarina, principalmente no vale do rio Itajaí-Açu, nas cidades de Blumenau e Itajaí, além de outras na proximidade. Já morreram mais de 100 pessoas, além dos mais variados impactos materiais sobre a população de todas as classes. Este evento mostrou a grande vulnerabilidade da população da bacia do Itajaí-Açu.

No pluviômetro do INMET em Indaial (um pouco a montante de Blumenau) foi medido mais de 200m entre as 9h do dia 22/11 e as 9h do dia 24/11 (dois dias). Este total não mostra uma grande excepcionalidade, considerando as enchentes já ocorridas. Da mesma forma, a cota máxima atingida em Blumenau também não foi excepcional, pois atingiu cerca de 11,40 m na régua de Blumenau (2 m acima da cota de extravazamento do leito). Isto representa uma cheia da ordem de 10 anos de tempo de recorrência, já que a maior enchente dos últimos 156 anos foi em 1880 e atingiu 17,10 m. Mesmo em 1983 e 1984 duas recentes enchentes a cota atingiu 15,34 e 15,50m respectivamente. Portanto, a excepcionalidade não está na magnitude da cota máxima. Qual foi a principal condição crítica?

Esta região de Santa Catarina não possui uma sazonalidade definida, pois a enchente anual pode ocorrer em qualquer mês do ano. Em estudos que realizamos na região na década de 80, verificamos que a precipitação máxima mensal e o conseqüente pico da série ocorreram em todos os meses do ano ao longo da série. Observa-se que desde agosto a região tem passado por um período chuvoso intermitente, o que fez com que a umidade do solo se mantivesse permanentemente alta, com lençol freático alto e baixa taxa de infiltração. Desta forma quando um volume adicional, não excepcional, mas alto ocorreu, saturou o solo das encostas, produzindo escorregamentos generalizados nos talos de alta declividade, trazendo consigo casas e outros prédios. Esta foi a principal causa de morte. Aliás o maior número de mortes no Brasil tem ocorrido principalmente por escorregamento de encostas do que por submersão (em janeiro de 2004 morreram 84 pesoas no Brasil devido a enchentes).

Antes destas chuvas do final de novembro os rios também se encontravam cheios devido as chuvas freqüentes, com as áreas ribeirinhas já saturadas e, quando chegou esta chuva adicional, quase nada se infiltrou. Para uma bacia de cerca de 13.000 km2, com baixa infiltração e nenhuma interceptação, a chuva pode ter produzido um volume de água superficial a 1 bilhão de m3. O rio Itajaí até Blumenau é mais encaixado, enquanto que a jusante o vale é plano com grande largura e dimensão. Nesta cheia este espaço foi inundando, funcionando como um grande reservatório. Como o volume foi muito grande atingiu de forma significativa a cidade de Itajaí, que fica próxima do mar. Para cheias de pequeno volume esta área plana entre as duas cidades funciona como um grande reservatório de amortecimento de cheia, minimizando as suas cheias. No entanto, nesta inundação o volume foi muito grande atingindo de forma significativa esta cidade. O vale plano entre Blumenau e Itajaí foi formado ao longo de milhões de anos pela deposição de sedimentos de um grande número de cheias (como esta), portanto é, e será sempre uma área de risco de inundação.

Seria possível evitar estes impactos? Estes impactos poderiam ser minimizados, já que inundação deste tipo não é impossível eliminar. A própria bíblia relata o “dilúvio” e a história ao longo do tempo mostra os diferentes eventos de inundações, desde o Egito aos tempos atuais. No entanto, os próprios egípcios, cerca de 3500 atrás já sabiam que existe um preço a pagar para quem ocupa as áreas de inundações e já faziam zoneamento do espaço de risco. As inundações representam atualmente 50% das perdas e impactos dos desastres naturais a nível mundial e tem aumentado de forma significativa desde a metade do século 20.

Em 1986 num estudo que realizamos para a CPRM foi realizado mapeamento de áreas de inundações em oito cidades do Vale do Itajaí que não foi utilizado. O mapeamento é utilizado para o zoneamento urbano, direcionando a ocupação para as áreas seguras, buscando remover as pessoas destas áreas para áreas seguras, reduzindo assim os potenciais impactos. Isto também é válido para as encostas que são potenciais áreas de risco de escorregamento, além da própria intervenção de melhorar a drenagem dos talos (encostas com solo) e proteção da sua base. Para as grandes declividades deve-se remover a ocupação e preservar estas áreas.

Portanto, é possível buscar evitar parte importante das mortes e prejuízos. No Brasil, apesar da constituição mencionar que é de responsabilidade do governo federal a prevenção contra inundações e secas e a mitigação das cheias, um dos três objetivos da lei de recursos hídricos, não temos nenhum programa ou ação preventiva. Quando ocorre o evento, é declarada calamidade pública e a cidade recebe dinheiro a fundo perdido, sem necessidade de concorrência para gastar. Porque prevenir? Em algumas semanas tudo será esquecido, até a próxima enchente. Esta é uma das grandes falhas da nossa capacidade de gerenciar um dos poucos desastres naturais que temos. A gestão de recursos hídricos no Brasil necessita efetivamente de atuar sobre seus problemas. Temos muitas comissões e discussões e pouca ação, quem estamos enganando?

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