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Entrevista com Cíntia Uvo sobre mudanças climáticas

  • Foto do escritor: Rhama Analysis
    Rhama Analysis
  • 27 de jul. de 2008
  • 6 min de leitura

A Profa Cíntia Bertachhi Uvo é Meteorologista pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, mestrado em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e doutorado em Engenharia de Recursos Hidricos pela Universidade de Lund, Suécia. Atualmente é professora titular do Departamento de Engenharia de Recursos Hídricos da Universidade de Lund, atuando principalmente nos seguintes temas: hidrometeorologia, variacoes climáticas e seus efeitos na disponibilidade de recurso hídricos. Tem trabalhado em projetos vários países como Senegal, África do Sul, Tunísia, Irã, Japão e Estados Unidos.

Tucci – 1. Neste blog o Prof. Molion descartou que o efeito estufa estivesse realmente aquecendo o Planeta e o prof. Pedro Dias argumentou a relevância dos estudos do IPCC e o aquecimento global devido a emissão destes gases. Qual é a sua visão sobre o assunto?

Cíntia: Eu acredito firmemente que é a interação entre as variações climáticas naturais e efeito estufa que determinam nossa atual condição climática. Não há como excluir uma coisa ou outra. Importante é ressaltar que essas duas características climáticas agem em escalas de tempo diversas. Enquanto o efeito estufa tende a aquecer atmosfera continuamente, as variações climáticas oscilam em escala de tempo de anos a décadas e podem tanto esquentar quanto esfriar a atmosfera, dependendo da fase em que se encontram. Infelizmente, a cultura científica da última década se desenvolveu de forma a separar mudança climática de causa antropogênica de variações climáticas naturais de forma a uma quase ignorar a existência da outra. Uma possível razão para essa separação está na incapacidade dos modelos climáticos de representar satisfatoriamente variações climáticas naturais, sendo o ENSO uma das poucas exceções. Dessa forma, muitos cenários climáticos foram desenvolvidos negligenciando-se quase que totalmente as variações climáticas naturais. Entretanto, a partir de 2007, pelo menos aqui pela Suécia, novas pesquisas passaram a se direcionar para a integração dessas duas faces do clima, talvez levadas pela possível mudança de fase da Oscilação Decadal do Pacífico para sua fase fria, o que tenderia a resfriar a atmosfera. Passou então a ser importante saber o quanto do aquecimento atual é gerado pelas variações naturais e o quanto pela ação do efeito estufa. A grande dificuldade continua a ser a representação correta de variações climáticas naturais usando modelos físicos. Para essa escala de tempo, modelos puramente estatísticos têm se mostrado bem mais satisfatórios.

Tucci – 2. Segundo foi destacado pelo Prof. Dias, o IPCC avalia que atualmente os forçantes devido ao efeito estufa são maiores que os da variabilidade natural do clima, mas quando usamos os modelos climáticos para prever até o final do século os resultados não mostram os períodos anômalos como a década de 60 no rio Paraguai, que são mais graves para sociedade. Não seria uma falha destes modelos e qual seria esta confiabilidade?

Cíntia – Não compartilho da opinião de que as forçantes relacionadas ao efeito estufa seriam mais relevantes que as variações naturais. Ambas são importantes. Existem importantes variações naturais que atuam em diferentes escalas de tempo. Por exemplo, a Oscilação Decadal do Pacífico, como o nome indica, oscila numa escala de dezenas de anos. Por outro lado, oscilações como a Oscilação do Atlântico Norte (NAO), a Oscilação Antártica (AAO) ou o El Niño-Oscilação Sul (ENSO), atuam em escala mensal a anual. Cada uma dessas oscilações modulam o clima global de forma diferente e razoavelmente definida, entretanto, a interação entre elas, isto é, quando várias dessas oscilações estão ativas ao mesmo tempo, as conseqüências no clima podem ser inesperadas, uma vez que elas interagem entre si de forma não linear. Um excelente exemplo dessa interação é justamente a década de 60 no rio Paraguai. Durante toda essa década, os níveis desse rio estiveram muito abaixo da média. Como não houve mudança significativa do uso do solo e nem da água durante esses anos na bacia, a causa dessa anomalia no nível do rio foi basicamente a diminuição das chuvas, isto é, uma variação climática. Esses baixos níveis do rio foram, na verdade, resultado de uma interação entre diversos fenômenos climáticos. Durante essa década, a PDO esteve predominante e fortemente negativa, assim como a AAO e a NAO. Por outro lado, o ENSO esteve predominante e fortemente positivo. Cada um desses fenômenos climáticos atuarem diferentemente sobre a precipitação da região da bacia do rio Paraguai de forma direta ou indireta. A interação entre eles, nesse período, teve como conseqüência a redução das chuvas nessa região o que resultou em uma década de níveis abaixo da média no rio Paraguai. Este caso é um exemplo claro que como a representação de fenômenos climáticos naturais, assim como a interação entre eles, ainda não é feita satisfatoriamente pelos modelos climáticos.

Tucci – 3. O grande dilema atual da sociedade é de ter observado que o clima não é estacionário como os engenheiros e estatísticos planejaram a infra-estrutura em geral como: energia, abastecimento de água, navegação, controle de inundação, agricultura, etc. A variação do clima tem sido a chave da sobrevivência econômica, social e ambiental. Como você recomendaria aos engenheiros planejar para o futuro?

Cíntia- Esse é realmente o grande desafio da engenharia moderna de infra-estrutura, a meu ver. Numa discussão sobre esse problema recentemente, ouvi um engenheiro argumentar que “o clima nunca foi estacionário a engenharia sempre considerou como se fosse. Por que mudar esse conceito agora?” Acho que é hora de mudar porque o conhecimento mudou. Hoje temos o conhecimento muito claro de que o clima varia em diferentes escalas de tempo. Seria imprudente continuar a considerá-lo como estacionário. Técnicas estatísticas mais avançadas devem ser usadas para o recálculo de curvas de IDF e também de período de retorno das chuvas.

Tucci – 4. Devido as incertezas dos modelos climáticos os pesquisadores têm usado “emsemble de condições iniciais” (vários valores iniciais) e emsembles de modelos” (vários modelos) para estimar o futuro do clima. O que se observa é que os modelos conseguem reproduzir os valores médios sazonais, mas filtram totalmente as variabilidades interanuais, que são as mais importantes. Isto é real? o que você acha que poderia ser feito para melhorar?

Cíntia- A idéia dos ensembles de modelos tem como base o reconhecimento de que modelos possuem erros inerentes a eles. Emsemble de modelos é uma tentativa de “balancear” os erros inerentes de diferentes modelos através de uma média entre eles. Note que o conceito de média está inserido no conceito de ensembles, por isso raramente outros valores, a não ser os médios, são bem representados pelo ensembles. Na verdade, se os modelos climáticos tivessem a capacidade de resolver satisfatoriamente as variações climáticas interanuais causadas por oscilações atmosféricas, uma média entre eles ainda poderia mostrar o sinal dessas variações. A grande questão volta então à capacidade dos modelos climáticos de resolver essas variações climáticas de forma satisfatória. Alguns modelos já começam a apresentar resultados melhores em relação a variações climáticas. Acredito que seja apenas uma questão de tempo para que modelos climáticos sejam capazes de representar satisfatoriamente as variabilidades climáticas naturais. Enquanto isso, os modelos estatísticos são uma melhor alternativa para se estimar variabilidades interanuais.

Tucci – 5. A restrição da emissão de gases para atmosfera poderia ter dois benefícios: o local, pela melhoria do ar circunvizinho e o mundial pela redução do efeito estufa. Você acredita que o segundo é realmente efetivo? como realmente comprovar isto com um sistema tão complexo?

Cíntia – A restrição da emissão de gases para a atmosfera será, sem dúvida, o resultado mais positivo de todo esse movimento em relação às mudanças climáticas e ao aquecimento global. Seja qual for a causa do atual aquecimento, natural ou antropogênica, a redução da poluição é um fato muito positivo para todo o meio ambiente. Além de pela emissão de gases, o clima local pode ser afetado de forma muito intensa por mudanças no uso do solo, seja ela tão simples quanto a mudança no tipo de cultura plantada ou tão drástica quanto a derrubada de uma floresta para o cultivo do solo ou para a construção de uma cidade. Entretanto, a resposta da atmosfera local a essas mudanças, principalmente a mudanças pequenas, é pouco conhecida. Recentemente a Universidade de Lund iniciou uma pesquisa em cooperação com o IPH e o IAG-USP, para, com o uso de um modelo hidrológico completamente acoplado a um modelo atmosférico regional, examinar localmente os efeitos de variações do uso do solo e da água na atmosfera. Acredito que as respostas trazidas por essa pesquisa vão incrementar, consideravelmente, a possibilidade futura de um melhor entendimento das respostas da atmosfera a variações locais de solo e água.

Tucci – 6. Quais são as linhas de pesquisa que você considera fundamental para a realidade científica e tecnológica nesta área?

Cíntia – A meu ver, é extremamente importante, e urgente, melhorar nosso entendimento sobre a interação entre as variações climáticas naturais e também a causada pelo efeito estufa. Importante também é manter espaço para as discordâncias entre grupos de pesquisa. Consenso raramente existe em ciência, especialmente em temas tão complexos.

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